quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sozinho de Suzuki DRZ 400 no Jalapão

Para os amantes do asfalto e apaixonados pelo Cerrado
(Aí vai um relato de um colega, fiscal de controle ambiental, que se aventurou numa Suzuki DRZ 400 rumo ao Jalapão-TO, vale a pena dar uma conferida)


Cansei de tanto ouvir conselhos dos amigos sobre não ir sozinho de moto ao Jalapão-TO. A única pessoa que não disse nada contra foi minha mulher amada, por que sabia ser inútil, já que conhece minha teimosia.

Pensava enquanto acelerava naquela imensidão, o que me motivava a fazer aquela viagem. Crise de meia-idade? Acho que já passei dela, mesmo por que já tenho 47 e creio já ter passado e muito da metade da minha vida, afinal não creio que eu vá chegar nos 94.

Provar a mim mesmo que ainda sou capaz, competente, vencedor dos desafios? Pura besteira.

O que me motivou foi mesmo a vontade de voltar (essa foi minha 5ª vez no Jalapão) naquele lugar ainda tão preservado, com cachoeiras lindas, belas praias, matas preservadas, rios de águas límpidas, paisagens inesquecíveis... Lavar a alma, sentir um sorriso dentro do capacete, aparentemente sem motivo algum. Simplesmente me sentir vivo e feliz.

Não sou nenhum fodão, nem um grande piloto, muito menos um super-herói. Sou uma pessoa comum, que gosta de viajar por lugares ainda preservados. Qualquer um poderia fazer o mesmo, desde que conte com um mínimo de bom senso e planejamento.

A DRZ400 se portou maravilhosamente bem. Adaptei um suporte para fixar os alforges sobre o paralamas, que suportou bem os muitos quilos de bagagem. Não retirei os piscas, nem os espelhos retrovisores. Calçei um par de pneus Pirelli de cross, com câmaras reforçadas de 4 mm da Michelin. O único problema que tive na moto foi a provavel queima do relê de pisca.

O roteiro foi o tradicional, mais ou menos o mesmo que repito desde 1999. Saí de Brasília no sábado à tarde, e deixei a caminhonete em Natividade no domingo, montei na DRZ e rodei uns 20 km de asfalto, e depois só estrada de chão, passando por Pindorama do Tocantins, Ponte Alta, Mateiros, e retorno pelo mesmo trajeto. Foram 813 km de chão rodados na moto, e 1.320 de asfalto na caminhonete.

No caminho para Pindorama, avistei um veado-catingueiro (Mazama guazoupira), fácil de ser reconhecido devido ao menor porte, e ausência da grande mancha branca na bunda do veado campeiro.

A 1ª parada foi na Cachoeira do Suçuapara, passando por uma trilha pela floresta, onde nem os espelhos retrovisores nem os alforges atrapalharam a passagem entre as árvores. Eu pensava que Suçuapara fosse um nome regional para onça suçuarana, mas na verdade, Suçuapara é o nome do córrego onde havia muitos veados conhecidos como suçuapara, que gostaria de saber se é o mesmo cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), também conhecido por veado-galheiro. Segundo a descrição do animal, é grande como um bezerro, e bem vermelho, contando com uma galhada que chega a ter muitas pontas.

Avistei duas araras-canindé (Ara ararauna) fáceis de serem rreconhecidas pelas asas azuis e peito amarelo. Dizem que o casal passa a vida toda juntos, numa bela relação monogâmica.
Avistei também um casal de araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), diferentes da canindé, pois todo seu corpo é azul. Não confundir com a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii).
Outro que apareceu e a muito não encontrava, foi um tapiti (Sylvilagus brasiliensis), um coelho nativo, citado na Lei nº 5.197/67 que proibe a caça de animais de porte superior ao tapiti, com armas de calibre 22.
Também vi uma cutia (Dasyprocta aguti), que parece um rato bem grande, mas sem rabo.
Avistei muitos carcará (Polyborus plancus), uma espécie de falcão muito bonita que já tive a oportunidade de cuidar, devido a um atropelamento.
E encontrei muitas boiadas, ainda pelas terras férteis bem antes de Ponte Alta. Numa delas, meti o dedo na buzina, e enfrentei um monte de bezerros como um Dom Quixote alucinado. Até hoje esses bezerros contam entre si, sobre aquela onça enorme que os atacou com seu esturro interminável, de cor amarelada, mas que não pegou ninguém..

Tinha receio da qualidade da gasolina que iria encontrar nos precários postos da região, mas me surpreendi com o desempenho da DRZ com essa gasolina comum, já que ela sempre foi abastecida com aditivada. Não pipocou nem morreu, como aconteceu num abastecimento de aditivada batizada, dum posto em São João D'Aliança, em outra viagem.

A tralha foi bastante exagerada, muita coisa inútil, mas o seguro morreu de velho. Foi bastante peso na traseira da moto. Um galão com 4,5 litros de gasolina na pontinha do banco, garantiram os 228 km sem posto. Uma barraca pequena sequer foi utilizada, foi junto de um isolante térmico, e um guarda chuva sobre o paralama traseiro. No dia da partida, comprei uma rede, um mosquiteiro e uma capa da KAMPA (www.kampa.com.br), que se mostraram muito mais confortáveis e práticos que a barraca. Mas como não conhecia o equipamento, não quis arriscar.

A comida pesou bastante também, tinha o suficiente para cinco refeições  completas, mais frutas secas, castanhas diversas, doce, biscoitos e carne seca. Uma garrafa de xarope de guaraná também foi muito útil.

Um fogareiro fantástico que peguei emprestado, fazia um fogo forte e eficiente. É um fogareiro utilizado por montanhistas, e funciona com gasolina ou querosene, mas utilizei removedor, para não deixar a bagagem fedorenta. É meio esquisito, tem uma garrafa de alumínio, igual a essas que levamos água, e nela vai atarrachado uma bomba com mangeira que se liga ao queimador. Depois de derramar um pouco do combustível líquido, acende o fogo que faz uma baita chama amarelada, que vai aquecer o queimador e a passagem do gás. Depois de bem aquecido, com a chama quase apagando, abre-se o registro de passagem do gás pressurizado pela bomba, e a chama azulada e forte se encarrega de cozinhar seja na ventania, na chuva ou na neve. Não deixa cheiro. Leve, prático, e se faltar combustível, basta usar um pouquinho da gasolina da moto.

Foi um reaprendizado andar na areia, após 20 anos de jejum de XLX com pneus de cross, e de Teneré pelas praias da Bahia e Cabo Frio- RJ. Lembrei de meu primo instrutor, "põe a bunda lá atrás, deixa as mãos bem leves, e acelera". Depois de um tombo besta num baita areião na Cachoeira da Velha, fiquei esperto. Caí devagar, como todos os tombos que já levei na vida, e só na DRZ já foram 10. Fiquei com o pé preso embaixo da moto, se não fosse a excelente bota de trilha nº 47, provavelmente teria me machucado.

Peguei uns 100 km de muita chuva, muita lama, mal passava dos 40 km/h, óculos embaçado, cueca e meias pouco molhadas, derrapa daqui, derrapa dali, mas cheguei em Mateiros são e salvo. Almocei às 5 horas, uma comida sem tempero, junto ao pequi que colhi na estrada, descascado pela bela filha da cozinheira.

Os banhos de rio e cachoeira foram fantásticos, lavaram a minha alma.

Encontrei meu amigo Vicente (tel 63 3534119563 35341195), um mineiro dos "bão", trilheiro das antigas que se refugiou no Jalapão. Hoje transformou-se numa referência, devido à sua simplicidade, alto-astral, boa prosa, e pela sua comida saborosíssima. Mandou o cachorro pegar uma galinha, mas o lerdão corria para todo lado, menos atrás dela. Disse que era só apontar, que o cão pegava a escolhida, mas a demonstração foi um fracasso. Impressionante a vitalidade do Vicente, que com seus 64 anos (65 em 31 de dezembro) corria atrás da penosa como se fosse um garoto. Que delícia de almoço, azar da galinha e sorte nossa... Passando por lá, ligue para ele e encomende uma galinha caipira, se o cão não der conta de pegar, o Vicente dá.

O Jalapão vem mudando muito nesses dez anos. Em 1999 as estadas já eram cascalhadas, não eram mais o puro areião que fez a fama do lugar. Em cinco dias de viagem, cruzamos por dois carros. Fui de Toyota Bandeirante, levamos duas motos para alguma emergência, e quatro estepes com pneus lameiros Michelin (iguais aos utilizados no Camel Trophy) que não foram utilizados. A tração só foi utilizada para chegar nas Dunas e na Cachoeira do Formiga.

Em 2000 pouca coisa mudou. Nenhuma sinalização. A fazenda Tri-Agro, desapropriada dos traficantes que refinavam cocaína e plantavam maconha, estava sendo reformada para servir de luxuosa pousada. Fui num ônibus que adaptei tração 4x4, que hoje virou meu motor-barraco.

Em 2006 fui de Chevrolet C-1504 ano 1977, uma viatura adaptada pela ENGESA para o Exército. Na carroceria levava toda a tralha imaginável, mais um colchão D33, dois travesseiros de penas, muito conforto para mais uma lua-de-mel com minha mulher amada.
A caminhonete ainda estava com motor a gasolina, faltou combustível já na cidade de Ponte Alta, apesar dos 124 litros que levava.
A Pousada do Jalapão já estava fechada, semi-destruída pelo abandono. Muito dinheiro do governo jogado fora. Só a rede elétrica de uns 30 km, valia uma fortuna, dinheiro dos impostos que nós, cidadãos brasileiros pagamos.
Já havia sinalização dos pontos turísticos.

Em 2007 voltei em mais uma lua-de-mel, mas a caminhonete já estava com motor à diesel. Aproveitamos para fazer rafting pelo Rio Novo, um dos dez maiores rios de água potável do mundo. Puro prazer, recomendo essa aventura com o pessoal do 4elementos.
Em Mateiros fui fantásticamente bem atendido no Posto Médico, devido a água que não saía do meu ouvido. Um médico cubano, juntamente com duas enfermeiras fizeram lavagem, que me deixou impressionado com a presteza demonstrada. Ainda me deram um remédio para aplicar no ouvido. Infelizmente hoje não há mais médico em Mateiros.

Agora em 2009 achei as estradas muito melhores, sendo frequentemente patroladas. Existe uma sede do Parque Estadual do Jalapão próximo à Mateiros, onde conheci mais um guerreiro do bem, o Reinaldo. Conversamos sobre fauna, pesquisa, incêndios florestais e outras coisas que vivenciamos em Unidades de Conservação, já que trabalhei muitos anos na Estação Ecológica de Águas Emendadas-DF.

O Jalapão continua lindo, proporcionando um contato com a natureza como em poucos lugares do Brasil. Chega a ser assustador olhar o horizonte e saber que não há vivalma por dezenas de quilômetros. A fauna ainda se mostra escassa, reflexo dos anos de caça praticada intensamente na região. Dizem que os traficantes pagavam bem por carne de caça, e só um caçador vendeu 11 veados abatidos na região.
Já existem muitas pousadas e restaurantes, e postos de gasolina nas cidades.
Depois posto as fotos.

15/11/2009
Lula